terça-feira, 23 de agosto de 2016

Sem floreados

Todos os dias há doentes que têm alta e que não regressam a casa porque o cuidador (familiar ou outro) se recusa a levar o doente para casa (e não me refiro a situações em que não existem condições para acolher o doente...). Por mais que lhes seja explicado que o doente não cumpre critérios para ser reencaminhado para unidade de convalescença ou unidade de cuidados integrados, insistem que não o levam. E pronto. E fazem-no porque sabem que nós não vamos pegar no doente e pô-lo à porta. Ficamos então encarregues de procurar algum local que possa acolher o doente. Enquanto isso, temos uma cama inutilmente ocupada que poderia servir a alguém que realmente necessita de cuidados hospitalares; enquanto isso, são dias e dias (às vezes, semanas!) de internamento, com todos os custos associados, sem qualquer necessidade. As despesas em saúde são muito elevadas? Não compreendo porquê... E enquanto isto, os cuidadores permanecem completamente impunes e sem qualquer tipo de consequência perante uma atitude de abandono.

O abandono de doentes idosos é muito, muito frequente. Mas não tem tanto impacto em nós enquanto sociedade como tem o abandono dos animais. Nem causa tanto impacto como causaria o facto de, se de repente, os pais começassem a abandonar os filhos a torto e a direito nas enfermarias de Pediatria. O abandono dos idosos não tem este impacto porque são velhos. São pessoas que já foram esquecidas, que são um peso, um incómodo... é bem patente neste tipo de situações o desprezo que damos às pessoas da terceira idade.

Portanto, e para terminar, nós vivemos num país que pode punir com pena de prisão quem abandona um animal de companhia (e muito bem!), mas que não criminaliza o abandono de idosos nos hospitais e não cria meios de ajuda para quem não os quer abandonar. 

Perfeito.



Inté*

23 comentários:

Anónimo disse...

Só quando começarem a abandonar os velhos nas autoestradas, como fazem com os cães, é que vão fazer uma lei à pressa. E mesmo assim duvido que seja a penalizar o abandono. É mais certo prenderem os velhos por andarem a estorvar o trânsito... :/

Estudante disse...

homem do leme: enfim... isto é tão revoltante! A certa altura, as pessoas acham legítimo ignorarem as responsabilidades que têm e pronto. "Os outros que resolvam que eu cá vou mas é para o sossego..."

Tétisq disse...

sempre tive muita dificuldade em compreender a elevação do animal a um estatuto superior ao da pessoa.
Os bombeiros passam o ano a salvar pessoas e ninguém liga, aparecem nas redes sociais a dar água a um cão e toda a gente se comove e partilha. Os velhos são abandonados e ninguém repara. Todos os dias chegam crianças à escola com fome e ninguém repara...alguém partilha uma imagem de um animal menos bem tratado e toda a gente se comove e partilha...enfim, não compreendo.

Sofia disse...

Por acaso, é coisa que me faz imensa confusão... E sei de histórias parecidas, porque a minha irmã trabalha num centro de dia. Muitas vezes, ela faz mais por alguns do que os próprios familiares, mesmo fora do horário de trabalho. Lembro-me de uma senhora ter caído, em casa, e ligaram à minha irmã a perguntar se podia lá ir, porque a senhora teria de ir ao hospital e a irmã da senhora estava na cabeleireira e não podia ajudar.
Ficámos todas pasmas. Como é que é que é possível? É que nem que tivesse que ir com o raio da tinta na cabeça... Agora, ignorar assim uma coisa dessas? Não sei mesmo o que vai na cabeça dessa gente. São pessoas idosas, já viveram tanto e, quando mais precisam são descartadas, só porque são "velhos"?
Visitava uma senhora, no meu tempo livre, que me ligava imensas vezes só para saber como eu estava. Deixava-me tão feliz. Quando ela partiu, foi como se tivesse perdido mais uma avózinha e conheço tantos idosos que têm tanto para contar, exactamente por isso, porque são idosos e já viveram imensas coisas que nós nem sequer imaginamos. Só merecem é respeito e companhia.
Essas situações são, realmente, de partir o coração.

Chic' Ana disse...

Infelizmente é uma realidade que só tem tendência a agravar-se cada vez mais...
Beijinhos

linda blue disse...

Já estivemos mais longe, Doc.
E, enquanto isto não passar de projecto, temos o Código Penal, artigo 152.º (Violência doméstica) e 152.º-A (Maus tratos), que, de uma forma genérica, abarcam especificamente o crime de abandono de idoso.
Cabe aos serviços sociais do hospital fazer a denúncia.

Estudante disse...

Tétisq: eu acho que podemos dar atenção a todos: às pessoas e aos animais ;)

K: não acredito! Caramba, que frieza, que lata! :/

Chic'Ana: infelizmente...

Linda Blue: continuamos longe :P a proposta para a criminalização do abandono de idosos foi recusada pela Esquerda... os serviços sociais ocupam-se de encontrar uma vaga para o doente. É muito complicado acusar estas pessoas porque elas alegam sempre que "não podem cuidar"... Enfim.

Anónimo disse...

É nos hospitais e lares de idosos.
Lembro-me quando a minha avó era viva e estava no lar, eu tentava visitá-la, pelo menos, uma vez por semana.
A vida atribulada nem sempre me permitia mais visitas.
A minha tia, filha da senhora, com bastante mais disponibilidade, visitava-a ainda mais amiúde.
Quando surgia alguma situação, era a mim que contactavam em primeiro lugar. Lembro-me de várias conversas que tive com a diretora técnica onde esta me revelava o abandono a que muitos utentes estavam sujeitos. Havia deles que não era visitados há anos. Os familiares pagavam por transferência bancária, por isso nem sequer se deslocavam lá!
Partia-me o coração, de cada vez que lá ia e era acarinhada por todos, sobretudo aqueles que tinham sido ali depositados.
Sou grande defensora dos animais, mas estas situações com idosos também me revoltam imenso.

Esmy disse...

A minha mãe diz um ditado muito antigo "filho és, pai serás, assim como fizeres, assim encontrarás ". A verdade é que apesar de defensora dos animais, comovem-me as crianças e os idosos mal tratados, uma vez que todos eles não se podem defender. Nunca me esqueço, no início da minha carreira de ter ajudado uma idosa, que me segurou nas mãos e me disse " que Deus a mantenha assim, meiga e solícita. Todos os anos me vinha trazer um ramo de flores, até que o deixou de o fazer, possivelmente porque entretanto faleceu. Não consigo aceitar que se tratem mal os idosos e espero que o legislador avance igualmente para a penalização, como já se fala.

Agridoce disse...

Eu sei que há situações horríveis, eu sei que são demasiados casos, eu sei que há quem não mereça mesmo... Mas, se um dia a minha mãe estiver nessa situação, eu não vou querer saber. Mesmo. Assim, não me sinto no direito de julgar quem o faça... Nem sou por uma lei que a isso obrigue. Mas quem sou eu?...

Andreia Morais disse...

É triste e revoltante!

r: Muito obrigada :)

Lápis Roído disse...

É triste, mas é um fenómeno a que se assiste com cada vez mais frequência. Parece que há pessoas para quem os outros têm um prazo de validade e, findo esse prazo, têm de os deitar fora. Estava prevista a supressão dessa lacuna da lei, elaborando-se um decreto-lei que penaliza o abandono dos idosos. Não sei em que fase está, mas espero que seja posto em vigor o quanto antes.

Pedro Coimbra disse...

É tão revoltante que dá vontade de gritar!!

Jedi Master Atomic disse...

Espero que revejam a lei e criminalizem, mas com o devido cuidado. Também não aceito o inverso, ou seja, que uma família não possa colocar um idoso que já não tem capacidade de tomar conta de si próprio, num lar. Assim seria obrigar as famílias a viver com esse idoso e isso entra na liberdade das pessoas.

Estudante disse...

Teresa: ui, os lares nem se fala... enfim.

Esmy: :)... podemos cuidar de todos: das pessoas, dos animais... e podíamos evitar estas disparidades se tivéssemos um pouquinho mais de bom senso!

Agridoce: eu acho que a tua situação é diferente. O caso que eu queria aqui expôr é aquele em que o idoso vive com alguém que, sem motivo aparente, decide que já não o quer mais em casa... que, sem razão válida, desiste de cuidar daquela pessoa. Eu percebo perfeitamente o que dizes e acho que não se pode obrigar um filho ou seja quem for, a cuidar de um pai/mãe com quem não tem uma relação de afinidade e com quem não convive.

Andreia Morais: é mesmo...

lápis roído: essa analogia do prazo de validade está bem pensada; é isso mesmo!

Pedro Coimbra: sem dúvida!

Jedi Master Atomic: Mas colocar um idoso num lar não é sinónimo de abandono... abandono é deixá-los assim, entregues a si próprios; deixá-los no hospital à espera que alguém encontre uma solução que deveria ser a família a encontrar :/

Unknown disse...

Essas situações não são tão visíveis como o abandono de animais porque por questões éticas não se divulgam imagens de maus tratos a idosos e abandono como se fazem com os animais.
Está nas mãos de quem vive esta realidade trazer isso para a nossa realidade. Escrever nas redes sociais e começar a partilhar, tentar que se torne viral.
Infelizmente é assim que as coisas funcionam, o que não é visto não é lembrado.
Mas não sei como alguém tem coragem de abandonar assim alguém... dói muito

Gata disse...

Infelizmente tenho noção dessa vergonha, porque o meu marido é enfermeiro, e relatava cenas passadas sobretudo no Natal e na passagem de ano...

Inês F. disse...

Isto lembra-me a minha avó. Vivia connosco desde que me lembro e passava os dias em casa da minha tia. Excepto nas férias escolares em que eu ficava com ela em casa. Eram 4 irmãos, mas ninguém era capaz de ficar com ela uma semana durante um ano, por exemplo. Raras foram as vezes em que os filhos a convidavam para o natal sequer.

Acontece que quando eu fui para a universidade longe de casa, iríamos deixar de ter a mesma disponibilidade que tínhamos até aí. Nessa altura, o meu pai sugeriu aos irmãos que cuidassem os 4 dela de forma alternada, porque ela gostaria disso e não custava nada a ninguém.
Eles não quiseram saber e a minha avó acabou por ir para um lar. Os meus pais visitavam-na todas as semanas e passavam o sábado de tarde com ela. Eu só a visitava quando vinha à terrinha 1x por mês. E os restantes irmãos nem 1x por mês lá iam... Todos eles reformados, menos os meus pais. Era triste e ela ressentiu-se com isso e simplesmente desistiu, psicologicamente. Daí até ao corpo também desligar foram 2 anos.


Eu não tinha uma relação fantástica com a minha avó. Lembro-me que a adorava quando era novinha, mas que ela mudou, eu mudei e eu própria sentia revolta por ser uma (pre) adolescente a cuidar da avó de 85+ anos que passava as férias escolares fechada em casa para cuidar dela. Mas independentemente disso, não acho que seria capaz de fazer o que os meus tios lhe fizeram. Acho que qualquer pessoa com o mínimo de respeito por um ser humano tem que ser capaz do mínimo.

Estudante disse...

Ana D.: longe da vista, longe do coração, não é verdade?

Gata: então deves estar a par deste tipo de "histórias"...

InÊs F.: são situações muito complicadas, sem dúvida. A dada altura, parece que a opinião da pessoa deixa de ter importância e podemos fazer dela o que quisermos :\ dispensá-la, pô-la ali a um canto... é triste.

*Nightwish* disse...

Fiquei bastante contentes quando os maus-tratos e o abandono a animais passaram a ser penalizados (se bem que, a lei, na minha opinião, não está lá grande coisa). Mas fiquei chocada quando uma lei que penalizava o abandono de idosos foi chumbada. Não entendo como há gente(?) que tem coragem de abandonar um animal que depende e vive para ti, da mesmo forma que não entendo como há gente(?) que abandona um idoso que, muito provavelmente, cuidou dele/dela enquanto criança, lhe mudou a fralda, lhe deu de comer, lutou e trabalhou sabe-se-lá como para lhe pôr comida na mesa, só porque agora dá trabalho - o trabalho que essa pessoa teve em fazer tudo para o/a tornar num adulto decente.
Claro que, infelizmente, nem toda a gente tem capacidades monetárias para comparticipar as despesas que muitos idosos têm com medicamentos e cuidados médicos (a maioria dos idosos também não tem), mas para esses, porque não criar ajudas? Para quem realmente precisa, claro. Agora, para os outros, os que abandonam, era penalizá-los e bem. Mais decadente que a doença com que muito se vêem abraços, é a atitude do abandono e do esquecimento.
****

Estudante disse...

*NightWish*: sim, sem dúvida que, muitas vezes, a doença é o menor do sofrimento... a falta de amor é uma "doença" mais dolorosa...

Anónimo disse...

Sou contra o abandono de idosos, é claro, mas a questão que se coloca nestas situações é falta de estabelecimento de laços sentimentais em pessoas que são da mesma família. Tive familiares idosos bastante insuportáveis e que contribuíam activamente para o mau estar familiar (com intrigas, beneficiando uns familiares em detrimento de outros, fazendo birras constantes)e nunca os abandonamos. Pelo contrário, sempre foram super bem tratados em nossa casa, apesar de ambas as senhoras praticamente terem abandonado quer o meu pai, quer a minha mãe à sorte em casa de outros familiares em pequenos por desinteresse (e não por falta de opção). Felizmente, ambos encontraram um no outro amor e estabilidade ímpar e sempre transmitiram isso a mim e á minha irmã. Por vezes, questiono quem foram esses velhos durante a sua vida para serem abandonados... Isto parece uma generalização cruel e nem todos os casos serão iguais, mas acho que as pessoas se esquecem desta questão nesta problemática. beijinho muri

Estudante disse...

Muri: sim, é complicado... Às vezes, as pessoas acabam por ficar sozinhas porque nunca fizeram nada na vida para terem o carinho dos outros, não é? São questões difíceis...