É um tema complexo que deve ser debatido. Não sei se estamos preparados para um referendo no âmbito de um tema desta envergadura. Aliás, tenho a certeza que não. Primeiro porque "eutanásia" é, grande parte das vezes, um conceito mal interpretado. "Eutanásia" significa o acto deliberado de pôr fim à vida de uma pessoa a pedido da mesma. "Eutanásia" não é desligar as máquinas num doente em morte cerebral, nem é o mesmo que evitar a prescrição de tratamentos que já não trazem qualquer benefício ao doente. Existem, portanto, muitas interpretações erradas acerca deste conceito.
A morte é um acontecimento natural na vida do ser humano. A nossa sociedade, contudo, está mentalizada para evitar a morte a todo o custo; vemos isso todos os dias nos hospitais, quer da parte dos doentes, quer da parte dos médicos. Isso leva-nos ao conceito de "escárnio terapêutico" ou "obstinação terapêutica" que é a "aplicação de tratamentos que, sobretudo no contexto de doença avançada e irreversível, se podem considerar inúteis ou de tratamentos que, embora úteis, são desproporcionadamente incómodos para o resultado que deles se espera." A obstinação terapêutica é, portanto, uma atitude eticamente reprovável. Mas quantas vezes nós assistimos a doentes com prognóstico reservado que continuam a ser submetidos a exames e tratamentos que não lhes trarão qualquer benefício? Quantas vezes os profissionais de saúde são pressionados para "fazer tudo" o que puderem?... É esta sociedade que, ao mesmo tempo, quer legalizar a eutanásia... não chega a ser um paradoxo? Portanto, é importante compreender que a "suspensão terapêutica e abstenção terapêutica não são formas de eutanásia, quando a decisão médica é determinada objetivamente pelo valor da qualidade de vida e não pela quantidade de vida e respeita a autonomia do doente." Assim, estamos perante dois extremos: o de prolongar a vida a todo o custo e o de terminar a vida de um doente em sofrimento; o difícil é encontrar o ponto de equilíbrio.
A questão da Eutanásia prende-se, obrigatoriamente, com o conceito de dor. Tradicionalmente, a dor e o sofrimento são considerados parte inerente da vida. A nossa educação judaico-cristã aportou com ela o conceito de "carregar uma cruz" como forma de expiação dos nossos pecados (no entanto, é esta mesma sociedade que muitas vezes, como eu disse anteriormente, luta fanaticamente contra a morte, acontecimento que, cristianamente, não deverá ser temido, pois dará lugar à vida eterna. Não se percebe esta divergência de pensamento...). Hoje em dia, não é, ou não deveria ser aceite que alguém sentisse dor. Existem inúmeras terapêuticas comprovadamente eficazes e seguras para alívio da dor. Mas existem também muitos mitos em volta deste tipo de tratamentos. "Morfina" é uma palavra que ainda faz arrepiar muitos pelinhos, sem qualquer justificação. "Opióides" são erroneamente associados a doentes terminais e prescrever um opióide a um indivíduo é quase o mesmo que passar-lhe um atestado de óbito. Creio que seja por mitos como este que a dor e as medidas de conforto sejam tão subestimadas e ignoradas em Portugal. E, por esse motivo, sou de opinião que, antes de discutir a legalização da eutanásia, deveríamos discutir a abordagem do doente terminal. Antes de discutirmos a morte como solução para os nossos problemas, deveríamos discutir como atribuir qualidade à vida dos doentes; antes de discutir a morte, deveríamos discutir a vida. Na minha opinião, avançar para a eutanásia antes de tentar melhorar a vida de alguém é saltar uma etapa muito importante. Pedir para morrer porque não se suporta a dor é uma morte digna?... Pedir para morrer porque alguém desconhece como tratar a minha dor não é digno para ninguém e é altamente reprovável, do meu ponto de vista. A eutanásia nunca deve ser a primeira escolha. Quantas pessoas, ao sofrerem dores horríveis, dizem que querem morrer? E quantas desistiriam dessa ideia se pudessem viver os seus últimos dias sem qualquer tipo de dor e desconforto? A eutanásia deve ser a última opção; deve ser considerada apenas perante um sofrimento excruciante que não cede a nada. Nesse sentido, a eutanásia que surge como primeira opção é um comodismo e um atestado de incompetência; a eutanásia é a solução mais fácil e rápida. Existem outros passos a dar antes de considerar a eutanásia.
Temo que, à semelhança do que aconteceu com o referendo do aborto, também a eutanásia seja legalizada porque o "avançar dos tempos" assim o dita. "O aborto é legal em países modernos", diziam alguns; "a eutanásia é legal em países modernos", é também o que se ouve por aí. Esse não deve ser o argumento. Um país avançado aplica medidas terapêuticas correctamente, faz bom uso dos analgésicos e do conhecimento científico que tem ao seu dispôr. O bom uso desse conhecimento pode evitar muito sofrimento a doentes que, de outra forma, suplicariam morrer. Não podemos permitir que alguém pense que a única solução para o seu sofrimento é a morte! Na maioria dos casos, não é! E é uma hipocrisia e uma falta de ética fazermos crer os outros que não há nada mais a fazer quando a dor não cede a um tramadol... É por isso que eu defendo que não estamos preparados para a legalização da eutanásia; o primeiro passo para a legalização da eutanásia é garantir que todos os doentes tenham acesso a terapêutica analgésica eficaz e medidas de final de vida digno. Quando pudermos assegurar esse tipo de cuidados, quando os profissionais de saúde estiverem vocacionados para o tratamento efectivo da dor, quando o nosso país assumir o conceito de cuidados paliativos, aí sim, teremos uma base segura para a legalização da eutanásia. Enquanto isso não acontecer, a legalização da eutanásia é um "tapar o sol com a peneira".
Vamos lutar por melhores cuidados de saúde? Vamos lutar pela qualidade de vida? Ou vamos lutar pelo direito à morte? Será a única alternativa a uma vida de sofrimento?
Não valerá mais a pena lutar primeiro uma vida digna do que pelo direito à morte? Questões difíceis...
Podem procurar mais esclarecimentos e informações aqui.
Inté*