Quando esta tirinha foi publicada na página do Armandinho, algumas pessoas disseram que os médicos iam sentir-se ofendidos.
Na verdade, quando vi a ilustração pela primeira vez, fiquei na dúvida se seria realmente dirigida aos médicos ou a todos aqueles que se auto proclamam "doutores" com base em... sei lá. É que se ganhou um amor muito grande àquele "Dr-zinho" que vem antes do nome. Perderam-se os títulos da nobreza e veio o Dr. para os substituir - o ser humano gosta muito de se sentir distinguido (não exactamente por aquilo que faz, mas antes pelo estatuto que tem ou que faz crer que tem).
Por isso, hoje em dia, quase todos somos doutores de alguma coisa. Às vezes, basta estarmos sentados atrás de uma secretária, mesmo que não façamos nada durante todo o dia, e já somos doutores. Não é fabuloso? Como vamos então distinguir os verdadeiros doutores dos doutores auto-proclamados? Fácil. Os verdadeiros doutores nunca exigem ser tratados como tal; são, na maioria das vezes, pessoas realmente simples que sabem que o seu valor está naquilo que são e naquilo com que contribuem para o Mundo, portanto, não necessitam ganhar visibilidade exigindo aos outros que os tratem de certa maneira.
Os doutores auto-proclamados não têm nada que sustente o seu Dr; a vida não plantou neles um ego satisfatório, pelo que é necessário colmatar essa lacuna. Além disso, aparentemente, não têm nada que faça crer aos demais que sejam doutores então, uma vez que o Dr. não é proferido espontaneamente, é preciso pedir (com um tom autoritário para mascarar a imploração) que os tratem como tal. E às vezes, as pessoas até se esquecem desse pormenor porque, enfim, não há nenhum aspecto que lhes recorde que aquela pessoa possa mesmo ser diferente, e mais uma vez, o doutor auto-proclamado, reaviva a memória com um "António, não; Doutor António".
Porquê? Não sabemos.
Mas reparem, este costume matarroano que ganhámos de nos afeiçoarmos a um Dr. em vez de gostarmos ser tratados pelo nosso nome, cada vez tem menos razão de ser. Quando o varredor na rua (sem qualquer intenção de desvalorizar a profissão) for tratado por doutor, os doutores auto-proclamados vão continuar a querer serem tratados por Dr.? Acreditam mesmo que um Dr. faz de alguém uma pessoa melhor e mais amada?
E já agora, para que serve o Dr.? Dá descontos no Cartão Continente?...
Inté*
23 comentários:
Somos um país de Doutores!... Em contexto profissional tratam-me com alguma frequência por doutora e faço sempre questão de pedir que não o façam. Não sou médica nem fiz ainda o doutoramento, por isso dispenso bem. Mas há tanta gente que adooooooooora ser doutor!...
"Tás-te" a esquecer dos engenheiros e arquitetos.
Já uma vez escrevi que as pessoas deviam nascer reformadas e só começarem a trabalhar aos 65 anos e só deviam ser batizadas depois de saírem da faculdade, para poderem incluir o grau académico no nome. ahahah
Estamos quase como no Brasil, onde há mais coronéis que soldados!...
Agora a sério:este costume deplorável ainda se torna mais notório na província.
É de facto um comportamento muito provinciano. Mas também assisto (até mais) ao oposto: os que dizem que doutores só os médicos. Esses não sabem que existe o grau académico de doutor.
É um costume tão português... Na maior parte dos outros países não existe essa preocupação com o título, pelo contrário. Já cheguei a falar com prémios Nobel que faziam questão de ser tratados pelo nome.
E nem de propósito, li no outro dia um texto interessante sobre este mesmo assunto
https://medium.com/@ricardo/o-senhor-doutor-%C3%A9-um-parolo-d36ab72c3fa3
Agridoce: isso é uma atitude muito nobre da tua parte :) mas infelizmente, a maioria das pessoas não é como tu...
esperto que nem um alho: ahah! Realmente há pessoas que só falta pedirem para colocar um DR no BI (ou CC) :P
Paula: é verdade :P
Nádia: sim, também há esses ahah ;)
Sci: obrigada pelo link; vou ler ;)
Fui, aqui há tempos, à urgência dos Huc, onde levei com uma fita amarela no pulso. Por entre um vozerio de ais dos inúmeros doentes, das conversas dos acompanhantes ( por que raio falamos "nós" tão alto em lugares públicos?!), da chamada esganiçada, e quase incompreensível, dos doentes para as cosultas, tentava eu alhear-me através da leitura de um livro, meu fiel companheiro. Chegou a minha vez. Apesar das dores, entrei sorridente no consultório onde estava, sentada ao pc, uma mulher na casa dos 40 anos.
Boa tarde, disse eu. E aos costumes disse nada. Também não me mandou sentar, apesar de um pedido grunhido meu. Mal tirando os olhos do ecrã, disse: então, diga lá. Resumi a situação, tocando os dados essenciais....e a senhora sem me olhar sequer. Continuando com a mesma postura, começa a fazer-me perguntas como se não viesse ouvido nada.
A sorrir eu disse: a senhora não percebeu nada do que eu disse,pois não? Ia eu justificar que certamente eu tinha falado demasiado depressa...( a médica falava espanhol, desconheço qual seria a sua nacionalidade). Interrompeu-me e berrou: aqui sou doutora e não senhora!
Caiu-me o queixo! Andei eu na década de 70 a desmitificar os "doutores" com meses de frequência universitária, capas negras, praxes, aneiszinhos de curso...para não só assistir ao recrudescimento da porra das praxes e a ideologia que elas arrastam, como ainda levar com estrangeiros com tiques destes? Como se, em algum momento, eu tivesse posto em causa a sua autoridade.
Quis ajudá-la a justificar a sua atitude, talvez devido ao imenso stress que ali se vivia...mas não. Continuou a berrar-me que se eu não queria...bláblá..ia chamar um colega! Firme, impus-me, explicando ( quase soletrando) o mal entendido que se tinha gerado. Pediu desculpa. Justificou com o cansaço. Isso tinha eu notado desde o início, mas a senhora pegou no lado errado.
Peço desculpa pelo espaço tomado. ( Não revi o texto )
:-)
Bom dia
Célia: um exemplo daquilo que não deve nunca acontecer, de facto. Eu tive um professor que dizia que, mais do que um traço de personalidade, a simpatia deve estar sempre presente no trato com os doentes (no seu caso foi mais do que falta de simpatia, sem dúvida...). O cansaço também não deve ser desculpa para tratar mal ninguém. Espero que não tenha novamente um episódio destes ;)
Quanto ao espaço, esteja à vontade :)
Ou um Dr. no CU (Cartão Único) eheheh
E Sr. Dr. Engenheiro? Upa upa.
esperto que nem um alho: ahahah :D muito bom!
agatxigibaba: upa upa :P
Tenho uma doente na consulta que me chama Menina-Doutora. Eu acho piada! Mas não ligo nadinha ao título! e não deixo que fora do contexto profissional amigos e conhecidos me tratem pelo título! não faltava mais nada!
J-o-a-n-a: ahah! Menina Doutora é querido, até :)
Engraçado que um professor meu da universidade dizia que esta mania de ser chamado de dr. era muito tuga... até porque na maioria dos países do norte da Europa não têm estas frescuras.
Acho que tens muita razão no que dizes... e quem fala assim não é gago (mesmo que sejas!).
Beijinhos *
O Dr. pode ter como intenção, em alguns contextos profissionais, impor algum respeito por quem lá trabalha. Veja-se o que se passa, por exemplo, nos hospitais, centros de saúde e tribunais, em alturas de maior pico emocional. No entanto, a bata e a toga podem operar esse efeito.
(Lá se me vai a teoria :)
Shinobu: nós temos assim umas manias :P ahah! Não ou gaga ;)
Linda Blue: eu acho que o respeito se impõe com atitudes ;)
Em relação à tira, julgo que está a falar das mães. Estas não têm estudos ou doutorado, mas cuidam de todos os males dos filhos. Será isso?
Quanto ao uso do termo, consigo entender a sua implementação porque antigamente, quando o povo tinha pouco acesso à educação, principalmente a superior, os que a obtiam ganhavam de imediato capacidades e conhecimentos que os distinguia dos demais. E a classe operária sabia isso. Respeitava e até admirava. Quem era operário ou artesão, chamava os seus clientes de "dr". Por uma questão de respeito e reconhecimento. Quem os servia, sentia orgulho do feito. O alfaiate tinha clientes "doutores", que eram advogados, políticos, empresários... E assim era para quase todos.
Hoje em dia ligo pouco a isso porque acho que se banalizou. Qualquer um pode decidir que quer ser chamado de dr., tal como se decide acrescentar "de" e "da" entre os nomes só para soar mais aristocrático. (Ex: eu tenho esse artigo definido no meu BI, mas nunca o menciono. Gosto imenso dele, acho que me define, mas por isso mesmo é pessoal. Por vezes lêm o meu nome completo e sinto estranheza por alguém desconhecido saber que meu nome inteiro tem aquele artigo ali).
Hoje em dia basta uma pessoa vestir bem ou ter um cargo de chefia, para que se ache doutor ou seja tratado pelos «subalternos» por doutor. Mas o problema está nas pessoas. Tanto nas da chefia, quanto principalmente nos operários. Porque fazem uma interpretação equivocada do sentido original do termo. A expressão "dr" não surgiu porque quem o carregava tinha importância e poder. Essa foi a ideia que "colou" quando a história começou a referir-se à diferença de classes e a sociedade mudou. O termo surgiu porque quem o carregava fazia-lhe justiça e porque o povo reconhecia quem o sabia ser.
Para mim, doutores são todos aqueles que têm "doutor" como profissão. São os que estudam medicina e saem daí qualificados com conhecimentos que todos os outros não conseguem reproduzir.
Mas chamo qualquer um de dr, se me for apresentado assim... e não existir familiaridade.
Assim como chamo de DONA uma mulher mais velha se me for apresentada assim...
A D. Rosa, a D. Júlia...
Pensa: o que é que o dona está ali a fazer? É apenas uma indicação de respeito herdada desses tempos ancestrais que não existem mais.
Li os comentários acima do meu.
"Menina Doutora" é enternecedor. Remete-me de imediato para os meus avós. E por isso mesmo estas expressões têm os dias contados.
Portuguesinha: sim, é um termo que se banalizou e, por isso, qualquer dia já não vale nada, nem para aqueles que realmente o merecem, mas enfim. Não sei se a tirinha era sobre as mães porque foi publicada no dia do médico ;)
Concordo em absoluto.
Um tio meu trabalha no banco e há uns tempos contou que um sr. engravatado foi lá resolver um assunto de uma filha. E quando o meu tio lhe questiona o nome da filha, responde o sr. engravatado: a minha filha chama-se Dra. Xis.
Costumo escrever sobre este tema... porque me revolta que neste país as pessoas vivam mais de títulos e nomes pomposos do que de fazer algo útil, do que serem úteis, do que serem realmente alguma coisa.
Pam: tens toda a razão. O nome dela não é Dra, de certeza :P que disparate!
Odeio quando me vêm com essa treta do doutora...em casa!
Mesmo que não seja de acordo que qualquer pessoa com um curso seja considerada doutora, percebo que no exercício da profissão algumas pessoas assim as denominem. Até deixo passar. Já tive uma adolescente em consulta cuja mãe me tratava sempre por doutora e não achava que deveria contradizê-la, quando foi a minha própria orientadora de estágio que me apresentou à senhora como "a Dr. M.". Não me incomodava propriamente, apesar de não achar correto. Contudo percebo que se utilize o tratamento por doutor nas profissões ligadas à saúde, porque as pessoas estão habituadas a tratar todos os que tratam de si e da sua saúde por doutor. Mas não gosto nem faço questão que me tratem assim. E só trato por doutor ou doutora quem não conheço e me foi apresentado assim, por respeito, para não contrariar. Se a pessoa diz "prazer, sou o Dr. Joaquim", não vou dizer "então Joaquim, tudo bem?"... se fazem questão do formalismo forçado... Acho ridículo mas alinho nessa. Conheço uma pessoa que disse a toda a gente "agora que acabei o curso só me podem tratar por doutora x". Enfim. detesto essas paneleirices do doutor autoproclamado. E ainda mais em casa, em família.
Tenho familiares que começaram com essa brincadeira desde que fui para a faculdade. Quando acabei o curso ainda se tornou pior. Detesto porque não me sinto "doutora", porque não o sou. Não sou médica nem tenho um doutoramento!!! E detesto porque sinto que às vezes é uma troça.
M: percebo perfeitamente o que dizes :) banalizou-se o termo... enfim. Não sei se ainda terá algum valor, na verdade.
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