O Avô faz vinho desde que me lembro. Escolheu as castas com o maior cuidado, enxertou aquelas que lhe pareciam as mais adequadas e, depois de muitos anos, o vinho do Avô é o sumo de uma selecção muito especial e de um trabalho muito cuidado. E tanto orgulho que ele tem nele!
A adega, como nós lhe chamamos, é uma divisão pequenina, de chão de cimento e paredes mal rebocadas, onde está o tanque do mosto, a cuba e o grande pipo de madeira. É um sítio muito tosco, relativamente mal iluminado e, por isso, com uma atmosfera muito própria, que sempre exerceu em mim um fascínio muito particular. Nas paredes há de tudo um pouco: garrafões empilhados, alfaias agrícolas, badalos e, até há uns anos, costumava haver também uma bola de sebo com que se vedava a torneira do pipo.
Mas o elemento mais mágico de todos era a escada. Na parede contrária à da porta da entrada está uma escada estreita de ferro que dá para uma arrecadação superior onde só se consegue andar de gatas. E eu só pude espreitar a arrecadação uma vez; cheia de pó e coisas velhas, que eu não sabia bem o que eram... era um mundo!
À medida que fui crescendo, as coisas foram ficando mais pequeninas, nomeadamente o pipo de madeira; a escada já não sobe até ao céu e já não existe a bola do sebo. Mas a adega é "A" adega e, nesta minha cabeça que de adulta só tem a idade, ainda é um sítio onde acontecem coisas estranhas.
Inté*
9 comentários:
Essas memórias de infância são uma delícia!
Os lugares têm a importância que nós lhes atribuímos. Existirão sempre referências a lugares assim ao longo das nossas vidas e isso só pode ser algo muito bonito. Revela a pureza que existe em nós, independentemente da idade que possamos ter. É, parece que estás nesse lote ;)
S*: são mesmo ;)
Lápis Roído: no fundo, tudo acaba por ter a importância que lhe atribuímos, quer sejam lugares ou objectos... enfim :) é engraçado que guardemos mais memórias de coisas aparentemente sem muito interesse, do que daquelas que julgamos que nos vamos lembrar :D
Essas memórias bem antigas e bem marcadas na nossa mente são uma coisa maravilhosa =) E é engraçado ver que, quando crescemos, alguns lugares especiais deixaram de ser grandiosos, em tamanho ou em esplendor, mas as nossas lembranças continuam mágicas, quase como se fossem duas realidades diferentes =)
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Escreves de um modo tão fascinante sobre tudo que, se não tivesse a convicção de que és ainda melhor no exercício da profissão, do que a escrever, ia dizer que tinhas errado a vocação. :)
A adega da casa de um amigo de infância era ponto de encontro de amigos.
E foi-o durante muitos anos.
Um espaço só nosso.
*Nightwish*: exactamente ;)
Zé do Pipo: oh ^^ muito obrigada!
Pedro Coimbra: :) não pode haver sítio melhor!
Adorei a tua descrição e levou-me a recordar um local de infância muito especial...
Teresa: :)...
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